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Brasil / Cotidiano

Nem todo contato é imediato

Não será espantoso se algum dia desses ouvirmos de alguém que faça terapia, tentou a sorte em uma dinâmica de grupo ou se tremeu em mais uma entrevista de emprego – essa raridade que daqui a alguns anos será peça de museus – que a agenda de seu celular fez parte da triagem inicial: “antes de mais nada, deixe-nos ver como estão os nomes e números salvos no seu aparelho, por gentileza?â€.

Parece até que essa lista antes inocente pode revelar um pouco da personalidade do dono ou dona do aparelho. Já de há muito enterramos as agendas de papel e as eletrônicas. Naquele tempo, lembro-me de ver nomes, apenas e tão somente nomes seguidos de telefones e no máximo endereço dos contatos que julgávamos importantes.

Na época em que celulares eram do tamanho dos tijolinhos que erguem as paredes e eram mais pesados do que os halteres de academias, sequer existiam os emojis que daqui a alguns anos substituirão por inteiro o alfabeto convencional, esse desenho antiquado sobre o qual historiadores se debruçarão para entender nossa época corrida de textos banais como este.

Mas aqui, agora, sou eu que me vejo surpreendido por ser um dos poucos sobreviventes entre aqueles que resumem sua agenda do celular a nomes frios, no máximo apelidos que já substituíram a escolha batismal dos pais e mães.

Corações grandes para quem pensamos em relacionamentos sérios, coraçõezinhos ao lado dos nomes de quem pode nos cobrar de algo além de uma noite, sorrisos para quem é mais piadista, rostinho amarelo com óculos de nerd, uma letra H depois das vogais no lugar dos acentos circunflexos e agudos para quem desconhecemos a verdadeira alcunha e só chamamos de Lê, Rô, Fá, Jé, Dí ou outros monossilábicos. Tudo isso enche as telas regadas poluídas por marcas de impressões digitais.

Chamamos contatos quando profissionais e contatinhos como eufemismos para “pessoas com as quais desejamos transarâ€. Ainda não ouvi falar em contatões, mas até a publicação de minhas palavras sempre incertas essa linha pode ficar defasada como nomes de batismo nas agendas.

Apenas os mais antigos devem usar nomes para identificar pessoas na agenda de seus smartphones. Aliás, nem isso: meus pais já me mandaram textos compartilhados por aí, em que alguma autoridade recomenda não demonstrar intimidades ou grau de parentesco para evitar o golpe do falso sequestro se roubarem nossos aparelhos. Outro dia, foi num grupo de amigos que me acusaram ter coração gelado pela secura na agenda.

Em minha próxima sessão com a psicóloga ou quando postular um novo emprego, tentarei não levar o celular para não correr riscos. Aliás, nesses tempos em que o toque de uma nova mensagem é como o demônio nos atentando, não devo conseguir dispensá-lo.

Vou pensar duas vezes quando pedir o número de alguém.