Por Anderson Firmino e Ted Sartori
Da Revista Mais Santos
Quem já frequentou uma sala de cinema, sabe o quanto ela pode ser encantadora. Da bilheteria à pipoca, passando pelos trailers com os próximos lançamentos, e chegando ao filme desejado. Seja qual for o estilo, a comunhão entre a telona e o espectador se reforça a cada sessão.
A pelÃcula pode durar uma hora e meia, duas, três ou mais. Não importa: se há filmes ávidos por público, na outra ponta estão os cinéfilos que não escondem sua paixão. Ainda mais numa cidade como Santos, que já teve inúmeras salas. No domingo (27), acontece a cerimônia do Oscar, em Los Angeles. É o ponto alto de uma indústria que movimenta bilhões de dólares todos os anos, mas que precisou se reinventar, com a entrada do streaming na festa.
A Mais Santos Online desta semana conta um pouco dessa relação dos santistas com suas salas de cinema, conversa com quem entende de Oscar e lembra quem era sinônimo da festa. Prepare-se: a sessão (de leitura) vai começar.
Uma paixão santista tão grande quanto a tela
A relação de Santos com o cinema daria, literalmente, um filme. E um longa-metragem cheio de momentos cativantes, tal como as reações que a telona proporciona.
Embora atualmente Santos seja considerada pela Unesco uma cidade polo de cinema, pelas atividades voltadas para este setor, a história é bem mais antiga. Começou ainda no século 19, quando a Cidade foi a segunda do Brasil a abrigar uma exibição pública de cinema. A primeira aconteceu no Rio de Janeiro.
Em Santos, o espaço escolhido foi o Recreio Miramar, no Boqueirão – ficava na Avenida Conselheiro Nébias com a praia e fundos para a Rua Oswaldo Cruz. Era o único lugar do municÃpio a possuir energia elétrica, gerada por um motor a vapor de 25 HP, com dÃnamo de 25KW, corrente contÃnua, que fornecia energia para 14 lâmpadas de arco e 120 lâmpadas de 16 velas.
A exibição do que a imprensa santista chamava de “fotografias animadas” aconteceu em junho de 1897, promovida pela firma Fernando & Queiroz. Durante algumas semanas, foram mostradas algumas produções feitas na França.
O momento histórico aconteceu quase um ano depois da então Capital Federal – em 8 de julho de 1896 – e menos de dois da primeira ocorrida no mundo, em 28 de setembro de 1895, na cidade de La Ciotat, na França.
A fama em torno do globo, porém, veio em dezembro do mesmo ano, no Grand Café Paris, na capital francesa. Vale recordar que o invento, o cinematógrafo, é de compatriotas – os irmãos franceses Auguste e Louis Lumiére – e foi patenteado por eles em 13 de fevereiro de 1895.
“Tivemos essa vantagem, essa honra (em Santos), por conta do Porto, porque as novidades chegavam primeiro nas cidades portuárias. E Santos e Rio eram as principais cidades com portas abertas para o mar no Brasil”, explica o jornalista e pesquisador Sérgio Willians.
Espaços aos montes
Foi paixão à primeira vista. Mesmo. Teatros, como o Coliseu e o Guarany, foram adaptados para servirem de salas de cinema. Elas brotavam aos montes em cada bairro ao longo das décadas a ponto de que, na década de 1930, Santos era a cidade que mantinha o maior número de salas por habitante em todo o PaÃs. A grande quantidade também atendia com sobras turistas e veranistas – estes últimos tinham moradias na cidade, mas não residiam, vindo apenas no verão, daà o nome.
“Era uma espécie de lazer diferente. Não havia televisão e o rádio surgiu nos anos 1920. As pessoas faziam fila para ir ao cinema acompanhar filmes, noticiários, desenhos e seriados”, lembra Willians, reforçando o viés turÃstico do municÃpio para esse crescimento, aliado à época em que isso aconteceu. “Essa caracterÃstica era muito forte nos anos 1930 e mais ainda nos 1940, em razão da Segunda Guerra Mundial, que impediu a classe mais elitizada do Brasil de viajar de férias para a Europa e os Estados Unidos. Não tinha outra alternativa a não ser a ida para cidades mais estruturadas, no caso Santos, um balneário importante, e Guarujá”.
Alhambra, Atlântico, Astor, Avenida, Paratodos, D. Pedro II, Carlos Gomes, Paramount, Caiçara, Ouro Verde, Glória, Gonzaga, Iporanga, BrasÃlia, Independência, Itajubá, Indaiá, Praia Palace, São José, Marapé, Macuco, Roxy, Cine Arte Posto 4, sendo que os dois últimos estão em plena atividade. Para ficar em alguns. Em cada nome, muitas histórias vividas tal como nos filmes, claramente lembradas em meio ao escurinho do cinema.
“Embora tenhamos tecnologia, como o streaming, nosso cinema ainda guarda essa caracterÃstica encantadora para passeios com a namorada e com a famÃlia. Não há mais tantas salas como no passado, mas o cinema ainda está no coração, com a sala cheia de gente comendo pipoca com manteiga ou chocolate e se divertindo com aquelas telas de grandes proporções. Nada tira esse tipo de emoção”, resume Sérgio Willians. (TS)
Streaming muda o jogo. Ou nem tanto
O avançar do tempo coloca Santos, atualmente, com 19 salas de cinema, em três locais diferentes – fora o Cine Arte Posto 4, gerido pela Prefeitura. E, na última década, o cinema como o conhecemos ganhou a concorrência das plataformas de streaming, numa relação ainda mais encorpada durante a pandemia. Mas quem é cinéfilo de verdade não troca uma pela outra – apenas soma.
“O streaming veio para ficar. A pandemia ajudou a fazer essa ponte entre as pessoas e o streaming. Mas quem ama cinema, vai à s salas. Existe esse renascimento também (das salas de cinema). No futuro, as pessoas vão saber administrar isso e conciliar as duas coisas. Porque a tela gigantesca, com um som arrebatador, o escurinho do cinema e todo o seu ritual, é algo único. Por isso, acho que o cinema nunca vai terminarâ€, aposta o crÃtico de cinema Waldemar Lopes.
Ele lembra que as plataformas não são mais apenas exibidoras de filmes, mas também produtoras de conteúdo. O Oscar deste ano, que acontece a partir das 22 horas (transmissão da TNT e do Globoplay) é uma prova disso, com as 27 indicações à estatueta apenas da Netflix.
Onde assistir aos 10 indicados a Melhor Filme:
“Belfast” (cinemas)
“Ataque dos Cães” (Netflix)
“King Richard: Criando Campeãs” (HBO Max, Now, Oi Play, Apple iTunes, YouTube, Microsoft Store, Prime Video)
“Licorice Pizza” (cinemas)
“Duna” (HBO Max, Now, Apple iTunes, YouTube, Microsoft Store, Prime Video e cinemas)
“No Ritmo do Coração” (Prime Video, YouTube, Apple iTunes)
“Não Olhe Para Cima” (Netflix)
“Amor, Sublime Amor” (Disney+)
“Drive My Car” (cinemas)
“O Beco do Pesadelo” (Star+)
“Eles fornecem, ainda, o que as salas de cinema nem sempre podem oferecer, com filmes mais “difÃceisâ€, filmes independentes e séries. Um outro instrumento útil, acho, que faz uma ponte com a arte, emenda Lopes, um apaixonado declarado por cinema.
“Minha primeira experiência com cinema foi com a minha famÃlia no cinema, onde assistimos A Noviça Rebelde, com a Julie Andrews. Foi arrebatador. Depois, foi com a Sonia Braga em A Moreninha. Vivi o mesmo sentimento. Não tenho o cálculo de quantos filmes assisti, porque eu amo isso. E sou um apaixonado compulsivoâ€, admite ele, que também é professor e realiza, há 28 anos, uma palestra sobre a festa máxima do cinema – a mais recente foi na última terça, no Cine Roxy.
O espaço, por sinal, também transmite a cerimônia deste domingo, a partir das 21 horas com direito a mestres de cerimônia caracterizados, e sorteios de brindes. André Azenha, Marcelo Reis, Barbara Farias e Waldemar Lopes serão os mestres de cerimônia. A entrada é gratuita, mas pede-se, para quem puder, um quilo de alimento não perecÃvel, em prol das instituições ACAUSA e Igreja Senhor dos Passos.
Oscar: os favoritos de uma festa reinventada
Waldemar Lopes fez alguns prognósticos sobre a entrega das estatuetas neste ano nas principais categorias. “A corrida do Oscar 2022 apresenta dois filmes numa disputa acirrada para Melhor Filme. O belo, forte, mas difÃcil Ataque dos Cães – com um total de 12 indicações -, está sendo ameaçado por CODA – No Ritmo do Coração, um remake independente que é um adorável filme famÃlia. A diretora Jane Campion deve receber o prêmio por Ataque dos Cãesâ€, aposta.
Ele também fala dos atores e atrizes indicados. “Entre os atores, Will Smith desponta como favorito em King Richard – Criando Campeãs, seguido de perto por Benedict Cumberbatch em Ataque dos Cães, mas Troy Kotsur deve ser o melhor coadjuvante por CODA e se tornar o segundo ator com deficiência auditiva premiado. Em relação à s atrizes, Jessica Chastain em Os Olhos de Tammy Faye parece avançar na corrida, seguida de perto por Nicole Kidman em Apresentando os Ricardos e Kristen Stewart em Spencerâ€, especula.
Sobre a festa, Lopes faz algumas observações. “A cerimônia deste ano promete ser mais dinâmica. Apresenta três mulheres como anfitriãs – as comediantes Amy Schumer, Regina Hall e Wanda Sykes. Também deve ser mais curta, com a premiação de oito categorias técnicas antes da cerimônia, e o anúncio dos vitoriosos durante o show. Isso causou polêmica para a premiação, mas acho que é um recurso que será absorvido. As apresentações de Beyoncé e Billie Eilish ao vivo devem conquistar os fãs e aumentar o interesse. Duas homenagens vão movimentar o show, à franquia 007 e ao clássico O Poderoso Chefãoâ€, complementa o especialista.
Rubens Ewald Filho, santista que virou referência em Oscar
Não dá para falar em Oscar no Brasil sem lembrar de Rubens Ewald Filho. O jornalista e crÃtico de cinema, nascido em Santos e morto em 2019, ainda é lembrado com carinho por quem é fã da Sétima Arte.
“Quando se fala de Oscar, a saudade por Rubens Ewald Filho aumenta significativamente. Costumávamos conversar por e-mail sobre a premiação. Essas conversas tenho até hoje. Fazem muita falta sua cultura, sua inteligência e seu bom humor. Nenhum comentarista das transmissões de TV o substituiu à alturaâ€, afirma Waldemar Lopes.
Maior referência da crÃtica cinematográfica no PaÃs, Ewald iniciou carreira escrevendo para o jornal A Tribuna, e trabalhou em redações do Jornal da Tarde e O Estado de S. Paulo, sendo ainda colaborador da Revista VEJA nos anos 1990. A partir dos anos 1970, começou a se dedicar ao cinema, primeiro como ator, em filmes como As Gatinhas (1970) e, depois, como roteirista, como em Elas São do Baralho (1977).
 A paixão pelo cinema começou ainda criança, quando criou o hábito de anotar em um caderno todos os filmes que via, incluindo também o diretor, elenco, roteirista e outras informações. Uma das suas primeiras obras para o segmento foi Dicionário de Cineastas, em 1977.
O santista também foi diretor de programação e produção da HBO no Brasil e apresentador de programas na TV Cultura, Record, Band e no canal pago TNT. Tornou-se amplamente conhecido, porém, por comentar as cerimônias do Oscar desde 1983 – primeiro na Globo, depois no SBT e, nos últimos anos, na TNT – e por ter atingido a marca de mais de 35 mil filmes assistidos.
Mesmo após ganhar o mundo como jornalista e crÃtico de cinema, Ewald não escondia seu amor pela terra natal. “Realizei meu sonho na cidade de Santos… Viajei o que tinha que viajar. Hoje prefiro viajar a Santos do que ir para Cannesâ€, comentou em agosto do ano passado, ao ser homenageado pelo Santos Film Fest. Seu nome está na calçada da fama do Cine Roxy. (AF)