
(Foto: Francisco Arrais/ Prefeitura de Santos)
Por Maria Estela Galvão
repórter da Prefeitura de Santos
Foram cerca de dois anos entre o inÃcio do namoro, a descoberta da gravidez e inúmeras agressões verbais e fÃsicas. Até que uma denúncia anônima começou a mudar a história de Cristine (nome fictÃcio), uma jovem de 25 anos, moradora de Santos, que hoje reconstrói sua vida com o apoio dos serviços oferecidos pela Prefeitura, que incluem os Centros de Referência Especializados da Assistência Social (Creas), abrigos, unidades de pronto atendimento e assistência jurÃdica gratuita.
O relacionamento abusivo e violento começou em 2016. Cristine fazia faculdade e logo o casal passou a conviver maritalmente. Seis meses depois, surgiram as agressões fÃsicas. A jovem, com dois filhos de um relacionamento anterior, ficava cada vez mais introspectiva. Engravidou pela terceira vez e chegou a ser vÃtima de violência durante a gestação e logo após o parto.
”Muitas pessoas se afastaram da gente e outras alertaram sobre o comportamento rÃspido dele. Não era um relacionamento que fazia sentido, mas estava fragilizada, depressiva e me apeguei a essa coisa de núcleo familiar”.
As cenas de violência ocorriam sempre quando o agressor bebia. E, segundo Cristine, muitas na frente dos filhos. Depois, vinha o pedido de desculpas. Até que, no final do ano passado, durante uma briga dentro de casa, os gritos das crianças fizeram um vizinho acionar o Conselho Tutelar. Cristine foi levada ao Creas, importante referência no MunicÃpio para o atendimento a vÃtimas de violência doméstica.
”Lá eu passei por assistente social, psicólogo e psiquiatra. Estava com uma depressão muito grande, tinha crises de pânico e ansiedade. Comecei a ter consciência de que não tinha até mesmo condições financeiras para sair daquela situação e que convivia com alguém sem sentido”.
Por intermédio do Creas, Cristine teve acesso a benefÃcios financeiros e foi se sentindo mais segura. ”Àquela altura, ele já tinha condenação pela Lei Maria da Penha. Aos poucos, consegui superar e termino a faculdade este ano”, conta Cristine, orgulhosa.
A vida vai voltando ao normal para Cristine e os filhos, hoje com cinco, três e um ano de idade. Esta semana, ela foi efetivada no emprego e está radiante. E, quando olha para trás, sente que tudo que passou a fortaleceu até mesmo para ajudar pessoas em situação semelhante.
”O que eu recomendo para as mulheres que estiverem passando pelo que eu passei é que peçam ajuda. Ou que contem para alguém o problema. Sempre tem uma pessoa que vai te estender a mão”.
Guardiã Maria da Penha
Cristine será uma das vÃtimas de violência doméstica beneficiadas com o inÃcio, nesta semana, do programa Guardiã Maria da Penha (http://www.santos.sp.gov.br/?q=noticia/municipio-lanca-programa-de-protecao-a-vitimas-de-violencia), criado para proteger e acompanhar mulheres que têm medidas protetivas de urgência determinadas pelo Ministério Público e previstas pela Lei Maria da Penha. A legislação, que visa punir autores de agressão contra a mulher, completa 13 anos nesta quarta-feira (7).
Lançado em 8 de março deste ano, Dia Internacional da Mulher, o Guardiã Maria da Penha consiste na capacitação de 10 integrantes da Guarda Municipal de Santos, que vão monitorar o cumprimento das decisões judiciais e garantir a integridade fÃsica e moral das vÃtimas. São consideradas medidas protetivas ações do Judiciário para impedir que os agressores se aproximem e voltem a praticar ameaças ou agressões.
O programa funcionará em parceria entre a Coordenadoria de PolÃticas para a Mulher, ligada à Secretaria de Desenvolvimento Social, Secretaria de Segurança Pública do Estado e o Ministério Público do Estado de São Paulo, de acordo com Termo de Cooperação Técnica nº 004/2019-MPSP.
Guardiã Maria da Penha visita mulheres
O Guardiã Maria da Penha fará visitas periódicas à s residências de mulheres que tenham medidas protetivas. Sempre em duplas, os guardas municipais irão à casa da vÃtima para conversar e iniciar um acompanhamento por meio de três formulários: um com questões relacionadas especificamente à mulher, outro sobre o agressor e um terceiro, no caso de não cumprimento das decisões judiciais, sobre a situação atual, se ela está sendo ameaçada e de que forma.
As visitas serão feitas com base nas indicações do Ministério Público, que apontará a quantidade de casos conforme o nÃvel de gravidade. ”Há casos em que a mulher foi seriamente agredida, ameaçada de morte. Este é um exemplo de ocorrência grave, que teria prioridade nas visitas”, explica Diná Ferreira Oliveira, titular da Coordenadoria de PolÃticas para a Mulher.
Os guardas, cinco homens e cinco mulheres, foram capacitados pela promotora de Justiça Valéria Scarance, especializada em Gênero e Enfrentamento à Violência contra a Mulher. O treinamento deu noções sobre as medidas protetivas e o que os guardas podem fazer em situações diversas durante as visitas, como até mesmo serem surpreendidos com a presença do agressor dentro da residência.
”Com medida protetiva, o agressor não pode estar na casa da vÃtima. Nesse caso, o guarda pode até algemá-lo e chamar a polÃcia imediatamente”, explica Diná. Cada visita vai gerar um relatório ao Ministério Público, que pode adotar outras providências sobre o caso.
As medidas protetivas de urgência estão previstas na Lei Maria da Penha desde maio deste ano e visam ainda acelerar decisões judiciais e policiais, determinando que o agressor se afaste imediatamente do local de convivência com a vÃtima em caso de risco atual ou iminente à vida ou à integridade fÃsica da mulher ou dependentes.
Essas decisões devem ser registradas em banco de dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), com acesso por parte do MP, Defensoria Pública e órgãos de segurança pública e de assistência social. Quando o agressor é preso ou se há risco à integridade fÃsica da vÃtima ou à efetividade da medida protetiva de urgência, ele não tem direito a liberdade provisória.
EstatÃsticas
De acordo com a Secretaria de Saúde, em 2018, Santos registrou 500 casos de agressão a crianças, adolescentes e adultos do sexo feminino. A maior parte dos crimes foi cometida dentro de casa e, na maioria das vezes, o agressor é o companheiro da vÃtima. Em relação a 2017, houve aumento de 27% nas notificações (398 casos). Este ano, até o mês de julho, são 229 ocorrências.
As faixas etárias dos 20 aos 29 anos e dos 30 aos 39 anos são as que registram o maior número de agressões. Dentro do primeiro grupo, no ano passado, foram 100 ocorrências. Neste ano, até agora, 48. Os casos relacionados ao segundo perfil somaram 92 em 2018. Este ano, são 34.
Em 2018, segundo o Anuário da Segurança Pública, o Brasil registrou aumento de 6,1% no total de feminicÃdios e uma média de 606 casos por dia de violência doméstica.
Serviços sociais
Os dois Centros de Referência Especializados da Assistência Social (Creas), que ficam na Av. Conselheiro Nébias, 452, Encruzilhada, e na Rua Cananeia, 269, no Chico de Paula (Zona Noroeste), são importantes referências no atendimento, orientação e apoio especializado.
As unidades recebem pessoas em situação de abandono, maus tratos fÃsicos e/ou psÃquicos (inclusive mulheres vÃtimas de violência), abuso sexual, exploração sexual, em cumprimento de medidas socioeducativas, situação de rua, trabalho infantil, inclusive crianças e adolescentes vÃtimas de abuso e exploração sexual. Os Creas também fazem encaminhamentos relativos a profilaxia, como medidas preventivas de saúde.
A Casa das Anas atende mulheres em vulnerabilidade social (com ou sem filhos), onde as famÃlias podem ficar por até um ano. As equipes de abordagem da Secretaria de Desenvolvimento Social e o Centro Pop (Rua Conselheiro Saraiva, nº 13 – Vila Nova) são portas de entrada para esse serviço.
Preparada para acolher mães e filhos em risco iminente de morte, a Casa Abrigo oferece acompanhamento social e de saúde. O endereço é sigiloso por questão de segurança. O local tem capacidade para 4 famÃlias (4 mulheres com os filhos, se houver).
Há ainda o Núcleo Integrado de Articulação e Atendimento a Criança e Adolescentes, com serviço especializado de abordagem social de vÃtimas de exploração sexual e trabalho infantil. O serviço funciona de segunda a sexta-feira, das 8h30 à s 16h, dentro do Mercado Municipal. O objetivo é acompanhar e orientar estas crianças na construção e reconstrução de suas histórias e vivências individuais, coletivas e familiares.
VÃtimas que precisam de assistência jurÃdica gratuita podem contar com a Coordenadoria de Assistência Judiciária Gratuita e Orientação JurÃdica ao Cidadão (Cadoj), que funciona por meio de convênio entre Prefeitura e a OAB Santos. São oferecidas orientações jurÃdicas necessárias à s mulheres vÃtimas de violência. O endereço é Praça José Bonifácio, 50, segundo andar.
Denúncias de casos de violência contra a mulher podem ser feitas pela Central de Atendimento a Mulher 180, por meio de ligação é gratuita.
Para o registro de boletins de ocorrência, a Delegacia de Defesa da Mulher fica na Rua Assis Correia, 50 (3235-4222) e desde março atende 24 horas.
Saúde
Com base nas notificações das ocorrências, a Prefeitura, amparada pelas determinações da Lei Maria da Penha, ampliou a relação de serviços e a porta de entrada de vÃtimas de violência doméstica e sexual, criando um novo fluxo para receber as pessoas que procuram a rede de saúde (http://www.santos.sp.gov.br/?q=noticia/santos-tem-novo-fluxo-de-atencao-a-casos-de-violencia-sexual).
Quem estiver em situação de violência deve procurar uma das três unidades de pronto atendimento do MunicÃpio: UPA Central (Rua Joaquim Távora, 250), Pronto-Socorro da Zona Leste (Avenida Afonso Pena, 386) ou UPA da Zona Noroeste (Avenida Jovino de Melo, 919). Mulheres maiores de 12 anos vÃtimas de violência sexual também podem ir ao Hospital e Maternidade Silvério Fontes (R. Min. Agamenon Magalhães s/nº).
É importante que o primeiro atendimento ocorra sempre em até 72 horas (três dias) após o ato de violência sexual. Nestes locais, a pessoa é orientada a fazer boletim de ocorrência e os casos são notificados para a Vigilância Epidemiológica, Conselho Tutelar (menores de 18 anos) e Conselho do Idoso (maiores de 60 anos).
Também são feitos testes rápidos para HIV, hepatites e sÃfilis; vacina contra a hepatite B; inÃcio do tratamento de profilaxia à s infecções sexualmente transmissÃveis e medicação para concepção de emergência. Não é preciso ter boletim de ocorrência para atendimento de saúde.
Crianças, adolescentes e mulheres são encaminhadas pelas unidades de saúde para atendimento multiprofissional no Programa de Atenção Integral à s VÃtimas de Violência Sexual (Paivas), no Instituto da Mulher e Gestante (Av. Conselheiro Nébias, 455 – Vila Mathias), onde serão acompanhadas por seis meses.
Descer fora do ponto
Além da prestação de serviços, a Prefeitura tem adotado algumas medidas visando dar mais segurança a mulher. Em janeiro de 2015, instituiu a lei nº 3.098, criando a campanha de conscientização e prevenção de abusos sexuais contra mulheres no transporte público.
Em setembro de 2017, um decreto assinado pelo prefeito Paulo Alexandre Barbosa permitiu que as mulheres desçam fora dos pontos de ônibus à noite, desde que os veÃculos não mudem o itinerário, entre 22h e 5h, em dias úteis, feriados e fins de semana.
Em março deste ano, a Administração Municipal lançou um curso de defesa pessoal para mulheres, o Eu me Defendo (http://www.santos.sp.gov.br/?q=noticia/mes-da-mulher-em-santos-tera-curso-inedito-de-defesa-pessoal). Desde então, cerca de 300 já participaram das atividades, em seis turmas. As inscrições para o próximo grupo estão abertas até dia 16 de agosto e as aulas serão realizadas no dia 31, das 9h à s 14h, no Centro Esportivo da Zona Noroeste (Rua Fausto FelÃcio Brusarosco s/nº, Dale Coutinho).
A Lei Maria da Penha
A lei de nº 11.340/2006 homenageia a cearense Maria da Penha Maia Fernandes. Agredida pelo marido durante seis anos, ela foi vÃtima de duas tentativas de feminicÃdio e ficou paraplégica após ser baleada pelo companheiro. A luta pelos seus direitos durou 19 anos, até surgir a lei, que alterou o Código Penal para permitir que os agressores sejam presos em flagrante ou tenham a prisão preventiva decretada. Maria da Penha é farmacêutica. Hoje está com 74 anos e é considerada sÃmbolo nacional da luta das mulheres contra violência.