Por Anderson Firmino
Da Revista Mais Santos
CODA (Children of Deaf Adults – em português, filhos ouvintes de pais surdos). Este é o nome em inglês de No Ritmo do Coração, filme de Sian Heder que conta a história de uma garota filha de pais surdos que sonha em ser cantora. A produção foi celebrada com o Oscar de Melhor Filme, Roteiro Adaptado e Ator Coadjuvante – para Troy Kotsur.
Pois a história das pessoas surdas, que lutam para “existir†na sociedade, passam ao largo das telonas e podem ser visualizadas aqui mesmo. Numa congregação que trabalha no ritmo da inclusão. É a Congregação Santista de Surdos,
O prêmio máximo do cinema joga luz sobre quem deseja ser percebido, entendido, acolhido. “Acredito que esse filme, como ganhou o Oscar, chama mais a atenção por causa disso. Isso amplia a divulgação, mas penso que a gente ainda precisa lutar muito para ter essa inclusão definitiva dos surdos. Como a gente costuma falar: os surdos são os deficientes esquecidos. Porque você chega num local, tem inclusão para o cadeirante, o cego… Mas, para o surdo, é como se ele não fizesse parteâ€, avalia Eliane Mello, assistente social da entidade.
Ela conta que, no inÃcio da instituição, em 1957, somente os surdos frequentavam a congregação. Era um lugar onde eles se encontravam para socializar e conseguir conversar em lÃngua de sinais sem ter olhares ou preconceitos. “Com o passar do tempo, a configuração da instituição foi mudando. Somente há cerca de 20 anos é que os ouvintes começaram a ter acesso de trabalho à congregação: até então, ela era somente formada de surdos para os surdosâ€, pontua.
A representatividade é uma das marcas da entidade. Toda a diretoria é composta por surdos (presidente, vice). Eles é que determinam ali o que é melhor para os surdos da congregação, dentro de determinadas situações. Com o ingresso dos ouvintes, passou a ter atendimento psicológico para os surdos. Mas falta mão de obra voltada para essa parcela importante da sociedade.
“Existe uma grande defasagem de profissionais que conheçam a cultura surda e que saibam libras. A gente tem essa grande dificuldade, principalmente na área da saúde, onde seria essencial, para que o surdo tivesse sua inclusão total e efetiva, mas isso não acontece. Porque hospitais e prontos-socorros não oferecem essa acessibilidade. O surdo precisa sempre ter uma pessoa junto com ele para fazer essa traduçãoâ€, exemplifica a especialista.
Libras, a “lÃngua-mãeâ€
Com a inclusão dos ouvintes na congregação, a entidade passou a ter uma dinâmica diferente. Além do psicológico, também foi iniciado um atendimento pedagógico. “As crianças iam para a congregação aprender o Português. Porque já tinham a Libras como “lÃngua-mãeâ€, a primeira lÃngua. Com a inclusão, eles tiveram que ir para a escola, com crianças ouvintes e, até hoje, existe um déficit de aprendizado. Porque ainda não é satisfatório para o surdo o formato que é hojeâ€, analisa Eliane.
As atividades da congregação são gratuitas para os surdos. A instituição recebe um subsÃdio da Prefeitura e são ministradas aulas de Libras para os ouvintes. Os recursos financeiros que mantêm a instituição saem dali. Os cursos de Libras, que são feitos para os ouvintes, são ministrados por surdos. “Dessa forma, o curso também tem um lado social., onde os surdos vão trabalhar – porque eles recebem para isso. E, dali, saem para trabalhar em outros lugaresâ€, explica a profissional.
Parceiros também são bem-vindos, como o Fundo Social, o Rotary, e o dinheiro viabilizado por alguns vereadores que, por vezes, destinam uma emenda parlamentar. “A gente vai sobrevivendo assim. Também temos muitas doações. Existem pessoas que simpatizam com os surdos, com a linguagem de sinais. E querem aprenderâ€.
Mas não é todo lugar que aceita contar com um surdo em seus quadros. A alegria deles quando conseguem um trabalho, por exemplo, é compartilhada por todos na instituição. “A gente ajuda a fazer um currÃculo, a entregar, prepara para a entrevista, os tranquiliza, e eles conseguem ser chamados. Sabemos da dificuldade porque, muitas vezes, o empregador não contrata porque acha que vai ser difÃcil (o trato). E eles são bem perseverantes no trabalhoâ€, constata.
Time focado e movido a desafios
Atualmente, a Congregação Santista de Surdos, que fica no Gonzaga, em Santos, conta com três funcionários ouvintes; 12 instrutores de libras Surdos; um funcionário surdo; seis voluntários ouvintes com Libras; uma coordenadora pedagógica e uma coordenadora pedagógica surda com formação em letras-libras. Um time de respeito, disposto a encarar desafios. Inclusive o da respeitabilidade
“Nós, ouvintes, tendemos a achar que, por ele enxergar e andar, vai conseguir se adaptar. Na verdade, não é o surdo que tem que se adaptar, mas nós que temos que nos adaptar a eles. A gente tem um caminho ainda longo para percorrerâ€, aponta Eliane Mello.
Mas os surdos não desistem. Nas Libras, a LÃngua Brasileira de Sinais, tentam exercer sua cidadania – ainda que alguns joguem contra, como os médicos que se negavam a baixar a máscara, impedindo a leitura labial. Eles querem voz – e vez.
“Às vezes, o ouvinte acha que o surdo vai ler. Mas temos que entender que a Libras, como lÃngua primeira, é diferente. E, muitas vezes, o surdo não tem o domÃnio do Português. Mesmo que leia, muitas vezes não consegue entender o que está lendo. Acredito que o filme seja interessante, inclusive, para a própria famÃlia do surdo. Porque nós temos muitos casos na nossa instituição, onde a própria famÃlia não conhece a lÃngua de sinaisâ€. A busca pela integração é o desafio de todos. No ritmo da inclusão, os surdos querem escrever seus próprios filmes, com um final feliz.
Foto: Divulgação