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3.0 - BRASIL

A ciência brasileira vai sufocar com os cortes no orçamento

Após o congelamento, todo o dinheiro que o MCTIC terá para investir em pesquisa neste ano equivale ao que a Nasa gasta em uma única missão para Marte.

A Sociedade Brasileira pelo Progresso da Ciência (SBPC) mobiliza cientistas e estudantes de todo o País contra os cortes no orçamento de instituições de pesquisa científica e ensino superior. Em São Paulo (SP), uma passeata está marcada no vão do MASP, na Avenida Paulista. Em Niterói (RJ), a Universidade Federal Fluminense (UFF) organizará um ato no campus do bairro de Gragoatá. Em Recife, um evento na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) vai discutir as ameaças à autonomia das universidades públicas.

Tudo começou há pouco mais de um mês, em 29 de março, quando o decreto Nº 9.741 determinou o congelamento de R$ 29,6 bilhões em recursos federais. O objetivo de Bolsonaro e Paulo Guedes é economizar para cumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal – isto é, a lei que garante que os gastos do governo vão corresponder ao que é arrecadado em impostos. Com o bloqueio, R$ 2,2 bilhões não chegarão às mãos do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) – o que se traduz em uma queda de 42% no caixa de onde saem as bolsas concedidas pelo CNPq e a Capes a quem faz mestrado, doutorado, pós-doutorado etc.

Bolsas que já não são lá essas coisas: R$ 1,5 mil durante o mestrado, R$ 2,2 mil durante o doutorado. Os dois valores estão há 5 anos sem nenhum reajuste (nenhum mesmo, nem inflação). Em janeiro de 1995, a bolsa de mestrado era de exatamente R$ 724,52. Se ela tivesse sido reajustada de acordo com a inflação, estaria em R$ 3.276,74 em 2016.

Em bom português, “congelamento†significa que o dinheiro continua existindo, mas fica retido em algo chamado fundo de contingenciamento, isto é: só é liberado se o Governo Federal julgar que a situação econômica melhorou ou conseguir novas fontes de arrecadação (como a criação ou o aumento de um imposto). Na revista Science, o jornalista Herton Escobar escreve: “Neste ano, o MCTIC está autorizado a gastar apenas 2,9 bilhões em apoio à pesquisa e desenvolvimento – menos do que a Nasa gasta tipicamente em uma única missão a Marte.†Mesmo o acelerador de partículas Sirius, o maior projeto da ciência nacional, está com 80% da verba ameaçada.

Nas universidades públicas, a situação não ficará muito melhor. Em 2 de maio, a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) anunciou que 41% do orçamento de R$ 286 milhões dedicado à manutenção – o equivalente a 114 milhões de reais – está bloqueado. Não haverá dinheiro suficiente para pagar as contas de água e luz, nem as empresas terceirizadas responsáveis por serviços de limpeza e segurança. Em valores atualizados, o orçamento total da instituição caiu de R$ 582 milhões em 2014 para R$ 361 milhões em 2019. Estão ameaçados nove hospitais universitários, 13 museus, 1.200 laboratórios e 45 bibliotecas.

Sandra Regina Goulart Almeida, reitora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), também se manisfestou em uma carta abertapl: “Não há eficiência administrativa que supere um corte de tamanho monte, principalmente diante das sucessivas restrições orçamentárias dos últimos anosâ€. Apesar da insatisfação generalizada, Abraham Weintraub, ministro da educação, fez pouco caso das reclamações durante uma audiência na Comissão de Educação do Senado: “É sacrossanto o orçamento? Não podem economizar nem uma migalha?â€

A ciência e o ensino superior, no Brasil, já operam no limite: o orçamento dedicado à pesquisa, que havia atingido uma alta histórica de mais de R$ 8 bilhões em 2010, caiu para um pouco menos de R$ 4 bilhões em 2019 (e esse número sequer leva em consideração o congelamento). É a educação e a produção de conhecimento que, em longo prazo, impulsionam o crescimento do País, e uma parcela esmagadora da ciência nacional sai justamente de instituições públicas. Tirar dinheiro delas pode até ser um alívio momentâneo para as contas –  mas o futuro cobra o preço.