Por Ted Sartori
Da Revista Mais Santos
Ir às padarias em Santos costuma ser um programa para profundos conhecedores do tema. Ainda mais no momento em que se pede pão. Explica-se. Ao se solicitar um número determinado de médias, o balconista irá entregar pão francês. Se isso for feito em outros lugares, como São Paulo, o atendente irá entregar um – ou mais, o que causará muito estranhamento – copo com metade café coado e metade leite.
O mesmo fenômeno – e, neste caso, se estende ao produto em si – acontece com o pão de cará, uma iguaria tipicamente santista a ponto de ter se transformado em patrimônio cultural da cidade. “Pesquisando sobre o assunto em 7.962 periódicos de todo o Brasil, o pão de cará apenas surge em forma de anúncios de estabelecimentos e em notícias relacionadas à cidade de Santos, o que nos leva a crer, de forma bastante sólida, que a iguaria é, definitivamente, um patrimônio santista”, emenda o jornalista e pesquisador Sérgio Willians.
A iniciativa foi aprovada em sessão da Câmara Municipal em 17 de maio, fruto de propositura do vereador Benedito Furtado (PSB), e sancionada pelo prefeito Rogério Santos em 7 de junho.
“O pão de cará já possui mais de 100 anos aqui na nossa região. No início, ele era produzido com o tubérculo cará, mas como este item encareceu e a farinha acabou se popularizando, ele acabou sendo tirado como ingrediente da receita original. Não entrou um produto substituto. Isto já ocorre há, pelo menos, mais de 40 anos”, afirma Antonio Pires Gomes, presidente do Sinaspan (Sindicato da Indústria de Panificação e Confeitaria da Baixada Santista e Vale do Ribeira), e proprietário da Padaria Arco Íris, no Macuco, em Santos.
O cará é uma das cerca de mil espécies de inhame, que tem nove gêneros e pertence à família Dioscoreácea. São primos. Não há relação com o que seria uma cobertura “caramelizada”. Nem diga que pão de cará é o mesmo que pão de leite. “São produtos diferentes na sua composição e proporção dos ingredientes, ainda que algumas pessoas confundam. Se fosse igual, não teríamos tantas pessoas comprando o pão de cará de Santos para levar para São Paulo”, esclarece Antonio.
A viagem, no entanto, está sendo cada vez menos necessária. Uma padaria na Mooca, tradicional bairro paulistano, vende a iguaria e com a etiqueta deixando claro: Pão de Cará de Santos. “Ele vem conquistando paladares em diversos municípios do Estado: além de São Paulo, Guarulhos, Poá, Franca, Serra Negra e outros”, revela o presidente do Sinaspan.
Vendas
O pão de cará é o segundo item mais comercializado nas padarias caiçaras, segundo Antonio Pires Gomes. A média, porém, segue sendo o principal produto de panificação da Baixada Santista.
“O pão de cará representa de 20 a 30% da venda do pão francês nas padarias da região”, estima. “Após o reconhecimento do pão de cará como patrimônio cultural, algumas padarias relatam incremento nas vendas do pão francês em torno de até 15%, aumentando desta forma sua participação dentro do mix de panificação oferecido em nossos estabelecimentos”, emenda.
O presidente do Sinaspan revelou que essa nova condição do pão de cará está sendo ainda mais explorada em termos de divulgação. “Após a aprovação, o produto será o representante brasileiro em um evento mundial da panificação na Islândia. Além disso, durante a Fipan, maior feira de panificação da América Latina e uma das maiores do mundo, realizada em São Paulo, vários padeiros ensinaram como fazer o pão de cará de Santos”, conta.
Projetos regionais também estão em andamento, como um festival de música com bandas locais, que deverá ser chamado Cará Music Festival, formado por bandas da cidade. “E outros dentro das próprias padarias que já produzem variações do pão de cará tradicional, com melado, integral, retrô (com o tubérculo cará), com gotas de chocolate e ainda com aveia e mel, por exemplo”, completa Antonio.
Preferências
Como não poderia ser diferente, os santistas possuem as suas preferências quando o assunto é como degustar o pão de cará. “Ele é um produto que se adequa de várias formas, tanto com salgado quanto com doce. Gosto com manteiga na chapa ou ainda com Nutella”, afirma o presidente do Sinaspan.
Outro entusiasta do pão de cará – e nem poderia ser diferente – é o próprio prefeito Rogério Santos. “O pão de cará é uma delícia. Melhor ainda que é uma criação santista, que ganhou seu merecido reconhecimento. Ele é saboroso com manteiga, frios ou feito na chapa. Macio, é excelente no café da manhã, lanche e dá um toque especial em refeições que combinem com seu paladar tão peculiar. Santos é a cidade da criatividade, da solidariedade, da sustentabilidade e tem agora o cará como representante oficial de seu sabor, que é parte de sua rica gastronomia, que delicia moradores e turistas”, detalha.
Além das combinações possíveis, os compradores já ficam de olho na hora em que avistam o balcão e escolhem qual pão de cará vão levar. “Se no pão francês temos as exigências do cliente de pães mais claros ou escuros, mais bem assados, quando falamos do pão de cará, existe a pedida do meio ou da ponta, sendo o do meio mais macio, pois não tem o contato com a beirada da bandeja”, descreve Antonio Pires Gomes. Posições à parte, o fato é que o pão de cará ajuda a compor o dia de um típico santista.
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