Por Silvia Barreto
Da Revista Mais Santos
Qual é o significado do Dia da Consciência Negra? A data foi escolhida por coincidir com o dia atribuÃdo à morte de Zumbi dos Palmares, em 1695, um dos maiores lÃderes negros do Brasil que lutou pela libertação do povo contra o sistema escravista. Mas, além disso, é um momento para debater, analisar e expor ideias e posicionamentos sobre racismo, discriminação, igualdade social, inclusão de negros na sociedade e a cultura afro-brasileira.
Para a Presidente em exercÃcio do Conselho Municipal de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra e de Promoção de Igualdade Racial (CMPDCNPIR), Diná Evangelista Santos, há o que se comemorar nesta data. “Temos algumas conquistas a serem celebradas em âmbito municipal, como a criação e vigência da lei do Programa do Empreendedorismo Negro, a Lei que cria o Fundo Municipal de Igualdade Racial e Combate ao Racismo e a Lei de Cotas no serviço público municipal. Em âmbito geral, o feminismo negro conquistou grande expressão por meio das redes sociais e se tornou pauta em todas as mÃdias, inclusive na TV, trazendo uma reflexão propositiva para a sociedade sobre as questões de gênero e raça”, destaca.
O outro lado da moeda está nos desafios a serem superados, como por exemplo os casos de discriminação racial. De acordo com um levantamento feito pela Secretaria de Justiça e Cidadania do estado de São Paulo no 1º semestre de 2022, as denúncias já superaram o total de casos dos dois anos anteriores.
Nos seis primeiros meses do ano já foram registrados 265 casos de discriminação pelos canais de denúncia da secretaria. O número já é maior do que o total registrado entre 2019 e 2021, quando foram 251 casos.
“Os desafios ainda estão focados na ocorrência corriqueira da discriminação racial no cotidiano da nossa sociedade. Fatos criminosos em que pessoas negras são submetidas a situações vexatórias e a violação de seus direitos cidadãos por motivos raciais, ainda são frequentes”, reforça Diná.
A Lei 7.716/89, conhecida como Lei do Racismo, pune todo tipo de discriminação ou preconceito, seja de origem, raça, sexo, cor, idade. Segundo a Comissão Especial da Discriminação Racial da Secretaria de Justiça de São Paulo, caso uma pessoa ou empresa seja condenada por discriminação racial, a multa varia de R$ 15 mil a R$ 95 mil.
A presidente do Conselho Municipal de Igualdade Racial de Cubatão e Coordenadora de cidadania do Projeto Educafro Núcleo Cubatão, Paloma Santos, garante que as denúncias são feitas, mas na maioria das vezes não entram como casos de racismo. Pelos canais com essa finalidade, este número é muito abaixo da realidade diária. “O povo negro nunca calou, tentam nos silenciar e tornar invisÃveis todas as nossas lutas há mais de 500 anos, com todos os tipos de práticas discriminatórias e racistas possÃveis”, garante.
No caso de estabelecimentos comerciais, pode ocorrer a suspensão de licença estadual por 30 dias e até a cassação da licença estadual de funcionamento. “A existência de legislação punitiva, inclusive com previsão constitucional, e a possibilidade de registro das condutas criminosas por meio de filmagens de celular, ainda não tem se mostrado suficiente para inibir tais condutas criminosas, que ainda reverberam de forma muito orgânica e naturalizada em nossa sociedade”, prevê a presidente do CMPDCNPIR.
A opinião da presidente do Conselho em Cubatão sobre a lei é clara: infelizmente não cumprem, dão todas as sentenças rasas para o racista e abrandam os casos de racismo. “A justiça brasileira passa pano para o racista, não assume que o Brasil é um paÃs racista, que mais mata pessoas negras através dos órgãos de segurança pública, pelo simples fato de serem negras. É o paÃs que tem a maior população negra encarcerada, tanto na cadeia, quanto jovens em conflitos com a lei. É o pais que assume a grande dÃvida que tem com a população negra. O racismo não pode ser somente debatido, tem que ser combatido”, contesta.
VIOLÊNCIA
O Anuário Brasileiro de Segurança Pública fez um levantamento de 2018 a 2021 com casos de racismo no Brasil, mostrando um preocupante aumento: de 1429 para 6003 casos. Ou seja, um salto de 31%, fora os números de pessoas negras assassinadas. “A população negra continua sendo o alvo principalmente da polÃcia, onde mais de 6.145 pessoas negras foram assassinadas por força de segurança. Aqueles que deveriam proteger a população matam a maioria delas, pois a população negra no Brasil é mais da metade de toda população do paÃs com 54%, segundo dados do IBGE”, ressalta Paloma Santos.
Em sua avaliação, muitas brechas foram escancaradas para que os racistas se mostrassem. A abertura de oportunidade de praticar e não haver rigorosas punições amplia a atuação da pessoa racista, abrindo um grande leque de todas as formas de racismo que possa existir e, aquilo que parecia ser velado, torna-se evidente e escancarado.
“Acredito que o movimento negro brasileiro seja um dos movimentos mais organizados que existem no Brasil, pois se consegue discutir diversas pautas, em prol da vida do povo negro brasileiro, que perpassa por todas as áreas: saúde, educação, habitação, segurança pública, lgbtqia+, insegurança alimentar, trabalho e emprego. Direito à vida. E é este mesmo movimento, espalhado no paÃs inteiro, através de coletivos, Ongs, grupos, conselhos, que vem incansavelmente trazendo esta pauta de extrema importância para a sociedade brasileira”, avalia e complementa, ressaltando total indignação as posturas consideradas inaceitáveis para o momento atual da sociedade.
“É lamentável e repugnante que, em pleno século XXI, ainda nós, pessoas negras, passamos por situações de racismo, pelo simples fato de sermos negros. Um paÃs que escravizou, torturou, estuprou e matou durante mais de 300 anos milhares de pessoas negras. Não dá para dizer que isto é cultural. Isto foi crime. Crimes sem nenhuma punição, nenhuma reparação. O racista não pode ficar impune. RACISMO É CRIME”, alerta.
Diante dessa realidade, Paloma deixa uma mensagem para a sociedade e a classe polÃtica. “O racismo adoece, desemprega, desabita, exclui, o racismo mata. Nossa luta é resistir para existir, é para nos ver em todos os espaços, principalmente os de decisões, nas faculdades públicas, na economia, na saúde, na mÃdia, cultura, na polÃtica. Seguimos em luta, até que todos sejamos livres”.
ATUAÇÃO
Em Santos, o Conselho Municipal de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra e de Promoção de Igualdade Racial é organizado e disciplinado pela Lei Municipal nº 3323, de 15 de dezembro de 2016, tendo por finalidade atuar dentro de suas competências nas ações voltadas a polÃtica de participação e desenvolvimento da comunidade negra e da promoção de igualdade racial no municÃpio de Santos.
Exatamente como ocorre com a maior parte dos Conselhos de Direito, o CMPDCNPIR tem como papel principal, fiscalizar o Poder Público no cumprimento do arcabouço legislativo que aborda a temática racial, como por exemplo o Estatuto da Igualdade Racial e a Lei Caó.
Das 28 competências do Conselho, destaque para algumas como:
I – Participar no combate: as campanhas discriminatórias nos meios de comunicação social: as propagandas fundadas em conceitos e princÃpios preconceituosos e aos abusos de autoridade em razão de atentado à liberdade de consciência e de crença de matriz africana.
Além disso, a entidade tem como proposta fomentar a preservação dos valores culturais, sociais e econômicos, decorrentes da influência negra e dos demais segmentos étnicos raciais na formação da sociedade brasileira; zelar pelos direitos culturais da população negra, bem como dos demais segmentos étnicos raciais, especialmente pela preservação de sua memória e de suas tradições para contribuição da formação histórica e social do povo brasileiro, paulista e santista; zelar, acompanhar e propor medidas de defesa de direitos de indivÃduos e grupos étnicos raciais afetados por discriminação racial e demais formas de intolerância e propor diretrizes de ações afirmativas que visem à eliminação das discriminações contra a comunidade negra e dos membros dos demais segmentos étnicos raciais e possibilitem sua plena inserção na vida sócio econômica e polÃtico-cultural.
A luta da sua diretoria se faz presente ao participar na elaboração de critérios e parâmetros para a formulação e implementação de metas e prioridades para assegurar as condições de igualdade da população negra e de outros segmentos étnicos da população; definir suas diretrizes e programas de ação; propor a formulação de estudos e pesquisas a fim de identificar as condições relativas aos interesses da comunidade negra e dos demais segmentos étnicos raciais, quanto a educação, saúde, assistência social, trabalho e acessibilidade aos demais direitos sociais postos à disposição pelos agentes estatais e pelo mercado; participar da organização de programas de conscientização e de educação para a sociedade em geral com vistas a valorização da comunidade negra e dos demais segmentos étnicos raciais; estimular a mobilização e a organização das pessoas que sofrem discriminação e preconceito e articular-se com órgãos e entidades públicas ou privadas especialmente aqueles que tenham como objetivo a promoção, o desenvolvimento e a implementação de ações de igualdade racial objetivando ampliar a cooperação mútua e estabelecer estratégias comuns para a implementação da polÃtica de igualdade racial e o fortalecimento do processo de controle social.
O Conselho é composto de 50 Conselheiros: 25 titulares e suplentes Representantes do Governo e 25 titulares e suplentes Representantes da Sociedade Civil. A discussão das pautas ocorre através de Reuniões Ordinárias Mensais e, quando matéria especÃfica a discussão ocorre em Reuniões Extraordinárias.