Da Redação
Na Semana de Mobilização Nacional para Doação de Medula Óssea o CROSP incentiva o gesto e destaca a importância da Odontologia no tratamento
O transplante de medula óssea é um tipo de tratamento proposto para algumas doenças que afetam as células do sangue, como as leucemias e os linfomas, e consiste na substituição de uma medula óssea doente ou deficitária por células normais de medula óssea, conforme o Instituto Nacional de Câncer (INCA).
A presença do profissional da Odontologia na equipe multidisciplinar é de suma importância no transplante de medula óssea, principalmente no que diz respeito à prevenção de mucosite oral e de infecções, como explica a responsável pelo serviço de Odontologia Hospitalar do Hospital Israelita Albert Einstein e membro da Câmara Técnica de Odontologia Hospitalar do Conselho Regional de Odontologia de São Paulo (CROSP), Dra. Letícia Bezinelli.
“O transplante de medula é uma área em que o Cirurgião-Dentista é fundamental, pois atua desde o pré, durante e pós-transplante. Hoje existem trabalhos mostrando que colaboramos, inclusive, para o aumento da sobrevida do paciente. O Cirurgião-Dentista não só melhora a qualidade de vida, mas consegue impactar também no melhor resultado”.
Tipos de transplante e como funciona
Pensando na Semana Mundial de Mobilização pela Doação de Medula Óssea, é valido entender que existem duas possibilidades de transplante: um é o autólogo, no qual o paciente recebe células de seu próprio corpo, e o outro é o alogênico, no qual as células são provenientes de um doador que pode ser alguém da família ou voluntário que se apresenta em um hemocentro. Para isso, Dra. Letícia considera as campanhas de doação de suma importância.
A especialista explica que a partir de uma amostra de sangue é possível descobrir se há histocompatibilidade (compatibilidade ou equivalência entre células, tecidos e órgãos). “Penso que é preciso que as pessoas estejam engajadas para doar, pois a doação salva a vida de uma pessoa”.
Dra. Letícia considera que o Cirurgião-Dentista, dentro deste processo, desempenha um papel fundamental, uma vez que, independentemente do tipo de transplante, o paciente é submetido a altíssimas doses de quimioterapia, que podem ou não estar associadas à radioterapia de corpo inteiro. “Essa alta dosagem leva à imunossupressão, deixando o paciente suscetível a efeitos colaterais e a cavidade oral é muito acometida. Esse paciente pode apresentar alteração de paladar, alteração tanto na quantidade como na qualidade da saliva, terá mais chance de desenvolver infecções oportunistas porque ficará sem defesa nenhuma. Os neutrófilos dele serão zerados e ele ficará muito suscetível a infecções oportunistas, que podem rapidamente se disseminar”. Ela reforça também a importância do paciente passar com Cirurgião-Dentista e realizar adequação do meio bucal antes de iniciar o tratamento médico. Segundo ela, se o paciente tiver, por exemplo, uma doença periodontal em atividade, pode no momento do transplante, no qual não tem imunidade, correr o risco muito maior de disseminação da infecção.
O Cirurgião-Dentista, supervisor do Serviço de Estomatologia do Hospital Heliópolis de São Paulo e Secretário da Câmara Técnica de Habilitação de Odontologia Hospitalar do CROSP, Dr. Marcelo Marcucci, acrescenta que qualquer condição, seja ela de origem pulpar ou periodontal, que constitua um reservatório de micro-organismos patogênicos representa riscos e favorece infecções.
“Dentes com polpa necrosada, abscessos crônicos, bolsas periodontais profundas e restos radiculares são as situações clínicas mais comuns. Ao ser submetido à terapia imunosupressora, tais condições podem agudizar, desenvolvendo infecções bucais ativas que, no limite, podem levar a uma indesejável interrupção do tratamento oncológico”.
Por isso, assim como a Dra. Letícia, Dr. Marcelo reforça que todo paciente candidato ao transplante de medula óssea deve passar por um exame odontológico minucioso antes de iniciar o tratamento, pois as situações clínicas bucais que potencialmente possam levar à infecção devem ser solucionadas neste momento. Contudo, ele lembra que a atenção odontológica é contínua e ocorre em todas as fases do tratamento de transplante de medula óssea.
Importância que se reflete em números
A Cirurgiã-Dentista destaca ainda que um dos principais efeitos colaterais é a chamada mucosite oral, uma inflamação da mucosa decorrente das altíssimas doses de quimioterapia associadas à falta de defesa total. Dra. Letícia explica que essa inflamação se instala na mucosa oral.
“O eptélio que reveste a boca vai ficando fino e formam-se úlceras, que parecem aftas. Elas vão confluindo e formando úlceras maiores, que acometem a língua toda, mucosa jugal e palato. A partir daí, o paciente não consegue se alimentar por boca e tem dificuldade de fala, além de uma dor intensa, sendo necessária morfina e, mesmo assim, muitas vezes não consegue controlar a dor. Outro ponto é que a perda de integridade do tecido vira uma porta de entrada de infecções”.
Os desdobramentos dessa mucosite, segundo a especialista, são vários e debilitantes. A nutrição, o sono e a higiene ficam prejudicados, repercutindo durante tratamento todo. Entretanto, hoje sabemos que o Cirurgião-Dentista consegue prevenir ou minimizar essas alterações. “O profissional acompanha diariamente esse paciente, controla o biofilme, trata alterações salivares e diagnostica infecções oportunistas.
Dra. Letícia cita também o uso do laser como recurso para a prevenção e tratamento da mucosite oral. Segundo ela, a laserterapia faz parte do rol de procedimentos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). “Atualmente, o convênio médico cobre a laserterapia no transplante de medula óssea, pois entendeu que isso gera um impacto na saúde e nos custos do tratamento médico. Sendo assim, não há justificativa para não se fazer esse acompanhamento. O que temos que ter são Cirurgiões-Dentistas capacitados, integrados com a equipe médica e demais áreas da saúde”.
A especialista explica que realizando o laser desde o início do condicionamento do transplante até a pega da medula é possível diminuir o risco de mucosite consideravelmente. “Queremos tentar evitar 100%. Se não 100%, a gente consegue diminuir muito a extensão e severidade”.
Ela conta, ainda, que trabalho realizado e publicado pela equipe do Hospital Israelita Albert Einstein aponta que a inclusão do Cirurgião-Dentista na equipe multiprofissional de transplante de medula óssea é capaz de diminuir em cerca de cinco dias o tempo de internação. A necessidade de morfina para controle da dor é 50% menor. Diminui também a necessidade de alimentação parenteral. Além disso, o risco de mucosite oral é 13 vezes menor.
“No ano passado, publicamos um trabalho fazendo um retrospecto da nossa atuação no transplante de medula nos últimos 15 anos e conseguimos verificar que o Cirurgião-Dentista, ao realizar os cuidados orais e a laserterapia, gera um impacto na sobrevida do paciente. Não é só uma melhoria na qualidade de vida, o que já é excelente e fundamental, mas o Cirurgião-Dentista colabora na melhora do resultado do tratamento médico, fazendo que aumente a sobrevida do paciente”.
Saúde do receptor
De acordo com a Dra. Letícia, o receptor é um paciente que fica isolado durante internação, que não recebe visitas e não pode ficar circulando, muitas vezes nem para exames, pois está sem defesa”. Trata-se, segundo ela, de um momento muito crítico.
Devido à quimioterapia, a microbiota do paciente fica alterada, com bactérias mais patogênicas. Diante desse quadro, se ainda houver uma doença de natureza odontológica, como uma doença periodontal ou uma cárie extensa, isso pode ocasionar complicação maior. Fora que podem ser sítios para outros micro-organismos que podem se alojar e instalar uma infecção importante, como por pseudomonas, fato que pode até levar o paciente a óbito.
Além da mucosite, cujo diagnóstico e manejo é de responsabilidade do Cirurgião-Dentista da equipe, Dr. Marcelo explica que outros efeitos da imunosupressão podem se manifestar na cavidade oral, por exemplo as infecções por herpes e citomegalovírus, candidíase e, mais tardiamente, a doença enxerto contra hospedeiro (DECH), condição que ocorre quando as células da medula óssea ou células-tronco do doador atacam o receptor. “A doença do enxerto contra o hospedeiro pode ocorrer a qualquer momento após um transplante. No entanto, é mais comum depois que a medula começa a produzir células saudáveis. A condição pode ser leve ou grave. Ela pode se desenvolver de forma aguda ou crônica, com manifestações na mucosa oral”.
Saúde bucal do doador também requer atenção
Para fazer a doação de medula óssea é necessário que a saúde esteja em dia, inclusive a saúde bucal, como esclarece a especialista. “Para que o transplante de medula seja feito, o doador não pode ter nenhum foco de infecção ativo em qualquer situação. O possível doador se inscreve, é chamado e na ocasião é realizada a avaliação. Se o paciente tiver um dente com abscesso, por exemplo, é necessário tratar para que siga com a doação”.
Como doar
Para doar, as pessoas devem se dirigir ao Hemocentro mais perto e se cadastrar no Registro Brasileiro de Doadores Voluntários de Medula Óssea (REDOME) do INCA.
O REDOME é o terceiro maior banco de doadores de medula óssea do mundo e conta com mais de 5 milhões de doadores cadastrados. Nele estão reunidos todos os dados dos voluntários à doação para pacientes que não possuem um doador na família.
Acesse o site: https://redome.inca.gov.br/doador/como-se-tornar-um-doador/
Foto: Divulgação