Da Redação
O jornalista santista Carlos Monforte foi um dos primeiros âncoras do telejornalismo brasileiro, ao ser o editor-chefe e o apresentador do Bom Dia Brasil, a partir de sua criação, em 1983, na Rede Globo. O início da carreira, no entanto, foi no impresso, na década de 1970, quando atuou em jornais como A Tribuna e O Estado de S. Paulo. Depois, o caminho foi a TV (Rede Globo e Globo News), suas tribunas entre 1978 e 2016 e em vários jornalísticos das emissoras.
A larga experiência fez com que ele visse o surgimento e a expansão das mídias digitais, que agora colocam em xeque o exercício da profissão. O assunto levanta o debate sobre o impacto da internet nas redações. Trata-se do tema do livro O Papel do Jornalismo Sem P@pel (Matrix Editora, 208 páginas, R$ 47,00), escrito por Monforte e que será lançado nesta terça (17), a partir das 18 horas, na Livraria Martins Fontes, no Gonzaga, em Santos, terra natal do jornalista e onde se formou na profissão.
“Foram várias provocações (para escrever o livro), como o surgimento de novas plataformas que tornaram a comunicação mais rápida e fácil, até mesmo mudando a postura do jornalista. Daí, resolvi juntar tudo isso com minha experiência pessoal de mais de 50 anos, mas sem dar o ar de autobiografia, a experiência e depoimentos de outros colegas e professores, além de algumas pesquisas e estudos realizados por universidades, artigos em revistas e livros especializados”, conta Carlos Monforte, em entrevista à Mais Santos.
Somente em 2021, o declínio no número de jornais impressos foi de 13,6%, confirmando a tendência de queda registrada há anos nas tiragens dos principais periódicos brasileiros. Monforte viveu justamente um período marcante das redações dos impressos. E certamente recordará aqueles tempos – e outros tantos – ao retornar a Santos.
“Voltar (a Santos) é sempre motivo de alegria porque poucas vezes voltei depois de me mudar para Brasília (em 1983), onde sigo morando. E ainda mais num momento tão especial que é o lançamento do meu livro”, afirma. “Depois que saí da TV Globo, não me fixei em nenhum trabalho. Organizamos um programa de rádio, de caráter político, mas durou apenas poucos meses. Assim, me dediquei a terminar o livro, que aparece agora”, emenda.
No livro, ele descreve com riqueza de detalhes e toques de nostalgia a agitação dos repórteres na busca incessante por informações, em meio ao barulho das máquinas de escrever e os sons de passos apressados, telefonemas e conversas que tomavam conta do ambiente.
Política em ebulição
Já na TV, o jornalista viveu de perto, dentre outros fatos marcantes, a busca pelas eleições diretas para presidente no Brasil, com a campanha Diretas Já em 1984, e contou uma história – também relatada em sua obra – que simboliza a criatividade do profissional e a luta contra uma censura que, mesmo combalida, ainda atrapalhava o País.
“O deputado Dante de Oliveira apresentou uma emenda constitucional propondo eleições diretas imediatas e o Congresso se propôs a votar. Uma medida de emergência imposta pela ditadura, no entanto, determinou que nenhuma notícia sobre a votação fosse divulgada a partir do Distrito Federal, até dois dias antes da votação. Então, fretamos dois pequenos aviões e fomos fazer o Bom Dia Brasil, primeiro em Belo Horizonte, e depois em São Paulo, para que ninguém deixasse de ter informação. Levamos até os entrevistados”, relembra.
Por sinal, a política vive tempos de ebulição, às vésperas das eleições gerais – dentre as quais a de presidente, e Monforte acompanha com atenção o noticiário e o trabalho dos jornalistas, em meio a uma polarização tão grande entre esquerda e direita.
“O que vejo é um turbilhão de paixões, uma falta de isenção marcada por essa polarização que vem contaminando a sociedade, os profissionais e as empresas. Quem sofre mais com tudo isso são os profissionais, sempre pressionados pelo tempo, pela chefia, pela concorrência e que, agora, ganharam novo inimigo: as fake news”, analisa.
A relação entre a internet e a veracidade das informações que circulam a todo momento é um dos principais debates do livro. As inovações digitais garantiram que as notícias rápidas ganhassem mais a atenção do público, mas também passassem a ser questionadas. Para o autor, a busca pela credibilidade é o único caminho para combater fake news e distorção de fatos.
“(Jornalistas) Têm de gastar seu precioso tempo em confirmar as informações, embaralhadas pelas notícias falsas. São tempos difíceis. Se a internet ajuda muito o trabalho do jornalista, também é uma ferramenta que pode atrapalhar bastante seu trabalho, pela velocidade e disseminação intensa de informações falsas”, argumenta Monforte.
Apesar de concordar que os veículos impressos fatalmente deixarão de circular, Monforte acredita que o jornalismo seguirá essencial para a defesa da democracia. Neste sentido, o autor defende o potencial de renovação do profissional para se manter como personagem essencial no debate e disseminação dos temas de interesse público.
Foto: LC Agência/Divulgação