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Santos / Cotidiano

Entrevista: Danilo Caymmi, a inquietude de quem faz da música uma bandeira

Por Anderson Firmino
Da Revista Mais Santos

Danilo Caymmi é daqueles artistas inquietos. Busca novas formas de expressão, é antenado com a tecnologia e não fecha os olhos para novos artistas – pelo contrário, abre as portas para parcerias em interessantes, do samba ao rap. O caçula de Dorival Caymmi segue absolutamente relevante para a música.

A pandemia mudou sua rotina, mas acelerou sua verve criativa, que já é potente. Mas a saudade dos palcos ainda está longe de passar por completo. Pois, no dia 5 de fevereiro, ele traz o espetáculo Viva Caymmi, com Danilo Caymmi (voz a flauta) & Flávio Mendes (violão), em uma apresentação especial intimista rebatizada como O Porto de Santos e o Mar, pelas canções de Caymmi.

O show gratuito no Teatro do Sesc Santos, marcado para as 20 horas, é a principal atração cultural do 3º Festival Porto Cidade. Vale recordar que os ingressos devem ser retirados no dia do show, a partir das 14 horas, na bilheteria do Sesc Santos.

O espetáculo dramático-musical presta um tributo à vida e à obra de Dorival Caymmi, o músico brasileiro que mais cantou a simplicidade de se viver na praia, ganhar a vida com a pesca e os amores banhados à maresia. Falecido em 2008, aos 94 anos, Caymmi é autor dos clássicos O que é que a baiana tem?, Marina, O mar e Samba da minha terra, num universo de cerca de 120 obras-primas.

Na entrevista para a Revista Mais Santos, Danilo Caymmi relembra sua trajetória, o momento atual da música e revela novos projetos. O bom humor está presente na conversa, assim como na história de um nome importante. O mar da música, ainda tem espaço para peixes graúdos, especialmente com um sobrenome tão ilustre.

Não vai ser a primeira vez em Santos, não é?
Não, há muito tempo eu vou para aí. Desde o início de carreira, quando comecei a cantar. Estive inúmeras vezes desde os anos 1970.

Tem alguma passagem curiosa das vezes que você esteve em Santos?
Me lembrei, agora, que eu tinha um tio, irmão da minha mãe, que tinha um apartamento aí. E a gente ia: eu, papai, mamãe, Dori e Nana. Curioso, também, que eu fiz um show na praia, com uma orquestra de jazz. Estava fazendo passagem de som e apareceu uma amiga que não via há muito tempo. Ouviu minha voz e reconheceu. A minha última vez, se não me engano, foi no Teatro do Sesc. Eliminando pandemia, deve fazer uns três anos.

Como é que foi, ou vem sendo, a pandemia para você? Difícil, né?
Porque você tem que arranjar outras formas de se comunicar. Na verdade, sinto muita falta do público presencial. Porque live não acho que fique bom. Live é uma coisa muito impessoal, e a presença do público, a troca, é imprescindível. Sou um artista muito ativo, tenho essa troca com o público. Então, sinto muita falta. Não sou fechado no meu mundo. Estou sempre interagindo com as pessoas. Sinto falta disso. Mas aí a gente procura outras formas de arte. Tenho uma formação de “quase arquiteto”, então desenhei muito durante a pandemia. Compus também, fiz muitas coisas. Estava num processo de fazer um disco, mas parou porque entrar num estúdio, agora, é catastrófico, com relação à Ômicron.

Qual a peso de levar adiante o sobrenome Caymmi?
Nunca me atrapalhou em nada. Porque o negócio musical é a tal ponto o que se transformou em orgânico, muito natural mesmo. Eu, Dori e Nana, cada um escolheu o seu caminho, o seu estilo; minha filha, Alice, tem um negócio dela, e sempre fui aconselhada por mim a ousar.

Eu vi no seu Instagram vários quadros pintados por você…
Artista que é artista, se expressa de diferentes formas. Herdei isso do meu pai (Dorival Caymmi), de ter várias formas de expressão. Tenho me programado para fazer, talvez, um canal no YouTube, de coisas como se fosse um memorial. Porque gosto muito de humor também. Portanto, essa verve de humor, gostaria de levar para o YouTube. Estou só fazendo anotações, revendo coisas interessantes desse convívio com o Tom (Jobim), que era uma pessoa muito gozada também, muito bem-humorada. Estou revisitando algumas situações das excursões que a gente fez na Europa, de coisas da intimidade. Porque era uma banda familiar, a Banda Nova. Então, eu estou fazendo isso. Compus muito também nesse ínterim, porque tinha um projeto com a Orquestra de Curitiba que, infelizmente, caiu, por conta da pandemia, mas as músicas já estavam prontas. Era uma coisa bonita, aqui no Teatro Guaíra.

E por que você adotou Curitiba como “sede” ou refúgio?
É uma cidade, para mim, hiper funcional. Porque tem as coisas que eu preciso; bom aeroporto, excelentes estradas para se deslocar. Então, estou a uma hora de São Paulo, uma hora do Rio, 1h15 de Brasília. Para mim, é uma maravilha. Os voos principais passam por aqui também. Só tem um pouco de dificuldade com chegada de Europa, por exemplo. De resto, é superconfortável. Em termos nacionais, de logística, é perfeito. Fora que é uma cidade linda. E é bem planejada. Uma cidade que foi pensada por arquitetos. Aqui, o silêncio também é muito grande. Sou carioca, morei anos no Rio, mas nunca gostei muito de calor. Aqui é ideal. Agora, a temperatura está muito ruim, porque está abafado.

Como foi a experiência da venda do seu catálogo para a empresa Adaggio?
É uma forma de você poder, por intermédio da sua obra, ter um negócio para segurar ao longo da pandemia. Tem um propósito. É lógico que, como o mercado é bem pragmático, foi a única solução encontrada. Não só comigo, mas com vários outros artistas (N.R.: outro nome que teve o catálogo vendido para a empresa foi Toni Garrido, ex-Cidade Negra). Mas foi só o meu, não o do meu pai. Você tem uma receita de direito autoral e o que acontece? Para o artista, é fundamental. Isso tem um lado positivo, também, que é o de te forçar a compor mais também.

Você mantém a contemporaneidade, ou seja, o tempo passa, e você segue antenado com novas tendências, sejam musicais ou mesmo de distribuição.
Eu procuro sempre tratar minha profissão não como algo saudosista. Estou sempre ligado à tecnologia. Acompanho a internet desde o tempo que levava meia hora para baixar uma foto. Então, procuro sempre me manter antenado com o que está acontecendo. E a orientação que dei para os meus filhos foi a que eu tive do meu pai também, que é de ousar, sempre estar fazendo coisas. Agora, estou focando nesse canal do YouTube, ou fazer uma transmissão ao vivo, sozinho, que resgata um pouco desse contato direto com o público. Mas posso dizer que as músicas com a Roberta (Campos) estão muito boas. Ela me manda os retalhos aqui, assim com o Sérgio, do Sorriso Maroto, aí eu faço aqui, volta, nesse pingue-pongue quer a internet propicia. Mas estou gostando muito desses novos parceiros. Continuar sem curiosidade, sem motivação, a vida perde um pouco.

E, lá atrás, você foi um dos precursores das produções independentes. Hoje, temos as plataformas de streaming, que também ajudam a difundir os trabalhos. Como você vê fazer parte das duas pontas dessa história?
Eu sempre fui assim. O Antônio Adolfo foi um dos primeiros de produção independente, e eu fui o segundo. Ele me deu uma lista de lojas no Brasil, e eu estive até aqui em Curitiba. Ia lá com 30 discos, nota fiscal, no carro… Era casado, nessa época, com a Ana Terra, que era uma grande parceira. E é um disco, hoje, raríssimo. Depois foi lançado na Europa. Então, para a minha carreira, o Cheiro Verde foi esse marco. Eu nem tentei gravadora naquela época, fui direto para a produção independente. Minha vida sempre foi assim: na curiosidade, tentar linguagens novas. Por exemplo: esses rappers de São Paulo, o Elo da Corrente. Trabalhei com eles e gostei bastante. Este projeto que eu estava fazendo em Curitiba, havia uma previsão de que eles fizessem alguns beats também. Era uma coisa mais tradicional, mas havia um espaço para o contemporâneo.

Hoje tem as plataformas de streaming. Como você vê o mercado da música, com relação ao trabalho de vocês?
O mercado está muito ruim, porque é uma questão de direito autoral mesmo. Para se ter uma ideia, a gravadora fica com quase 70%, as plataformas com 30%, e o resto é o resto. O resto compõe compositores, artistas, toda a cadeia produtiva. O problema é esse; há um movimento internacional, até capitaneado pelo Paul McCartney, que estava bem ativo nessa questão, mas que deu uma parada. As gravadoras estão ganhando milhões, bilhões de dólares, as plataformas também, e os músicos e compositores são muito mal remunerados, se você levar em conta o que essas plataformas ganham. Fora que elas têm uma característica de popularizar o som, mas ao mesmo tempo coloca junto no mesmo espaço tanta música de qualidade como outras que não tem qualidade alguma. Não há critério. Porque vem sob essa pecha de “ah, estou divulgando o trabalho”… isso é tão antigo… Tinha uma época que falavam “Você já está aparecendo na televisão, ainda quer ganhar dinheiro? ”. Um pensamento muito chucro.

Já te pediram muito jabá?
Nunca, porque sempre achei isso uma coisa sinistra. Eu vi isso nascer, de disc-jóqueis que ganharam nome nesse tempo, com carros maravilhosos. Isso tudo era dinheiro de gravadora para tocar determinado artista na rádio tal. Talvez ainda aconteça isso hoje, nesse boom de sertanejos. Isso deve acontecer nas rádios ainda, não tenho a menor dúvida.

Você já assistiu o documentário sobre Nara Leão, no Globoplay? O que achou? Ele traz um momento importante da música do País, pela ótica de uma figura ímpar.
Estou assistindo, é muito bom. Vi a participação do meu irmão (Dori Caymmi) que também é fundamental. Porque eu cheguei a ser cogitado pelo Dori, mas era muito novo nessa época. E meu pai não deix- ou tocar flauta. Porque foi o Dori quem montou: era flauta, violão e bateria. Perguntei a ele quanto tempo tinha trabalhado com a Nara Leão nesse período e ele disse que foi no tempo em que ela esteve, de três meses (no espetáculo Opinião). Depois, com (Maria) Bethânia, entrou outro cara, o Roberto Nascimento. Meu irmão tem um violão, o que não é tão rebuscado, mas lembro de ter assistido. Logica- mente não entendia a questão política, mas gostava muito da interpretação de Carcará. Era muito bonito.

A série também traz à tona aquele ambiente dos festivais. E você teve um dos seus carros-chefes, Andança, executada num FIC (Festival Internacional da Canção, organizado pela TV Globo) muro especial, em 1968. O que lembra dessa passagem?
Dou sorte, porque a movimentação toda era para colocar em primeiro, mas se não der, ok. Porque a questão do (Geraldo) Vandré e do Tom era muito complexa para o júri. Eu era estudante de Arquitetura na época e, segundo o DCE da Faculdade, eu tinha que vaiar minha própria música. Pouca gente fala, mas todos os DCEs estavam contra qualquer coisa que não fosse a música do Geraldo Vandré (Pra não Dizer que não Falei das Flores). Você imagina estudantes articulados, como eram naquela época, com toda aquela massa, dentro do Maracanãzinho, eram 30 mil pessoas. Foi uma cosia política. Inclusive que Sabiá era uma música política também, Andança é que não era. Mas nunca falei isso com o Tom sobre essa coisa da vaia para Sabiá. Fosse ela ou Andança, ia receber vaia com aquele potencial todo. Era um pouco antes do AI-5, a repressão era muito grande.

Você também se notabilizou por belas trilhas para novelas e séries de TV. Como vê isso?
Peguei um período áureo. Hoje, não dá para dizer a mesma coisa, porque a novela não tem grande importância para a música, como havia naquele tempo. Alguns artistas – me lembro até do Djavan – às vezes, recusavam fazer música ara uma novela, que poderia atrapalhar o disco-solo dele. Era uma coisa até que, quando peguei, entrei com Mariozinho Rocha na TV Globo. Ele que decidia o quê ia ser onde. Na primeira novela, Tieta, me chamou para fazer a abertura, mas acabei perdendo para o Boni, com o Luiz Caldas. Mas era de uma importância grande. Falam “ah, mas o cara está fazendo música para novela”. Peguei esse nicho e pensei que, naquela época, eram 70, 80 milhões de pessoas assistindo isso aqui, ‘não pode ser ruim’. Se você pegar o disco da Tieta, vai ver uma música que a Nana canta – e que seria a da abertura, com letra do Paulo César Pinheiro. A partir daí, fui chamado para Tereza Batista, Riacho Doce e uma série de outras obras. Foi muito bom para a minha carreira porque, inclusive, me lançou como cantor. O Mariozinho me deu essa oportunidade. Se não fosse ele, o Roupa Nova não teria essa amplitude nem minha carreira estaria assim. Porque ele deu um meio de comunicação poderoso. E ele tinha muito bom gosto. Hoje, a música não tem essa importância nas novelas. Já que é mal remunerado, não compensa muito (risos). O disco Tieta vendeu 800 mil cópias. Hoje, você não vê isso. Agora, de que adianta ter tantas visualizações e não acontecer nada financeiramente?

Qual a importância do mar para a música?
É orgânico, porque faço uma música muito parecida com a do meu pai, meio minimalista. Músicas curtas e de alto potencial, tipo Meu Menino. E a questão do mar é importante porque convivi com isso desde garoto. E isso entrou na minha música, mesmo sem eu sentir. Quando chegou Riacho Doce, um grande sucesso meu, já era assim. Principalmente a parceria com Dudu Falcão, que entendeu esse ambiente também. Não posso falar da minha carreira como compositor sem citá-lo.

Para fechar: um recado para o público de Santos.
Espero que vão lá me ver. Porque é bacana, tem muito humor. Gosto muito de rir. Estou há muito tempo afastado do palco. Fiz uma apresentação em Petrópolis, mas se preparem para rir, porque vocês vão rir muito. E vão ter boas músicas também.

Foto: Divulgação