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Região / Festas Populares

Projeto de Lei põe em xeque atuação dos CAMPS

Por Carolina Ribeiro

Ser um jovem de baixa renda e conseguir colaborar na renda familiar ainda cursando o Ensino Médio é a realidade de muitos jovens brasileiros. Com o mercado de trabalho cada vez mais complicado e exigente, muitos não conseguem conciliar o emprego e os estudos, o que acaba faz com que um dos dois sejam deixados de lado.

Para tentar mudar essa realidade, foram criadas ao redor do país inúmeras instituição sem fins lucrativos e também sem filiação políticas partidárias, que possuem como objetivo ajudar adolescentes em situação de vulnerabilidade, no campo social e educacional, visando integrá-los na sociedade e prepará-los para o mercado de trabalho. Muitas vezes, durante o tempo em que permanece na instituição, o estudante consegue uma vaga como aprendiz em empresas ou órgãos públicos conveniados que possam contratá-los como jovens aprendizes.

Na Baixada Santista, a instituição mais conhecida que prepara os jovens para o mercado de trabalho é o Centro de Aprendizagem e Mobilização Profissional e Social – CAMPS, que existe em várias cidades da região, e segue a Lei nº 10.097/2000, a chamada “Lei da Aprendizagem”, na qual de acordo com o Artigo 402, “considera-se menor para os efeitos desta Consolidação o trabalhador de quatorze até dezoito anos”.

Nos últimos dias, o Projeto de Lei nº 5228/2019, de autoria do Senador Irajá do PSD de Tocantins, estabelece uma “Nova Lei do Primeiro Emprego” que poderia ocasionar no fim dos serviços de projetos como o CAMPS.

De acordo com o projeto que está em tramitação no Senado federal, a nova lei valerá para quem “esteja regularmente matriculado em cursos de ensino superior ou educação profissional e tecnológica e não tenha vínculo de emprego anterior registrado em carteira, salvo de aprendizagem”, o que poderia prejudicar os jovens de 14 a 18 anos atendidos por instituições de aprendizagem tornando inviável a contratação de menores aprendizes.

Na justificativa da propositura, o senador afirma que o desemprego entre os jovens é maior que a de trabalhadores experientes.

“Os jovens brasileiros estão sendo os mais afetados pela deterioração do mercado de trabalho. No segundo trimestre deste ano, 41,8% da população de 18 a 24 anos fazia parte do grupo dos subutilizados, ou seja, estavam desempregados, desistiram de procurar emprego ou tinham disponibilidade para trabalhar por mais horas na semana”, afirma o senador na justificativa.

“Propomos ambiciosa reforma criando um contrato de trabalho especial de primeiro emprego, que chamamos de Nova Lei do Primeiro Emprego. Ele é um contrato por prazo determinado, de um ano prorrogável por outro ano, somente para quem nunca teve emprego formal e está estudando – seja no ensino superior ou na educação profissional e tecnológica”, explica o texto de justificativa.

O projeto em tramitação causou susto e receio nas instituições que acolhem jovens de baixa renda e que estão no Ensino Médio, já que de acordo com a nova lei, apenas jovens que estejam em graduação e cursos técnicos poderiam conseguir contratos.

Repercussão na região

A Câmara Municipal de São Vicente, após ter conhecimento da discussão da mudança na legislação do primeiro emprego, se posicionou a favor dos adolescentes aprendizes e está contratando por meio de licitação entidades que atuem com jovens aprendizes. De acordo com a Câmara, a ação deve garantir 20 jovens aprendizes atuando no legislativo vicentino.

No último dia 25 de outubro, adolescentes do CAMP Rio branco e do CAMPSV compareceram à sessão ordinária solicitando apoio dos vereadores contra a propositura.

Além disso, o vereador Alexandre Rodrigues (PSB) apresentou uma moção de repúdio ao Projeto de Lei. Já o Presidente da Câmara, Wilson Cardoso (PSB) parabenizou os jovens pela mobilização e demonstrou empenho para a contratação dos aprendizes.

Na Câmara Municipal de Guarujá, foi apresentada e aprovada pelos vereadores uma moção de repúdio ao projeto. A inciativa foi do vereador Toninho Salgado (PSD).

“Caso esse projeto seja aprovado, haverá o total retrocesso de uma política pública de reconhecida importância para a inclusão social. Jovens seriam relegados ao trabalho infantil e ao trabalho precário desprotegido e, consequentemente, abandonariam os estudos”, afirma o vereador.

Enquanto a Prefeitura de Guarujá afirma que não foi notificada a respeito da matéria e que “não cabe ao município interferir em assuntos do Senado Federal”, o CAMPS Guarujá, que atualmente atende 455 adolescentes, afirmou que está lutando e fazendo o possível para reverter a situação. Além disso, o CAMPS do município afirmou que desde a última semana estão recolhendo assinaturas para um abaixo-assinado.

A Prefeitura de Praia Grande, por meio da Secretaria de Administração, informou que possui conhecimento do projeto, mas que aguarda a votação do tema e caso seja aprovado cumprirá com as exigências e determinações do projeto.

Já a Prefeitura de São Vicente informou que não é responsável pelos CAMPS da cidade e que apenas possui convênio com a entidade.

A Prefeitura de Santos afirmou que não foi oficialmente informada desse Projeto de Lei (PL). Seguindo os trâmites legais, o Senado, onde o PL tem origem, não é obrigado a dar ciência aos demais entes federativos.

O CAMPS Santos, representado pelo presidente Elias Júnior, afirmou que está acompanhando o PL e que durante a semana participou da Caravana da Aprendizagem, em Brasília, junto com a FEBRAEDA (Federação Brasileira de Associações Sócio educacionais de Adolescentes), visitando Congressistas e apresentando sugestões de emenda e alteração no texto base do projeto.

“Internamente o CAMPS Santos movimenta-se para iniciar mobilização de defesa do trabalho sócio assistencial realizado por meio da aprendizagem profissional.

As entidades sociais, tais como o CAMPS, tem o papel de desenvolver o jovem pessoalmente, trazendo conteúdo de cidadania, ética e disciplina, preparando o jovem para o primeiro emprego e afastando da vulnerabilidade social que o atinge”, afirma o presidente.

“Confio que o PL da forma como fora apresentado não será aprovado, e que as emendas serão acolhidas e todas as entidades, tanto do sistema nacional de aprendizagem, quanto as sócio assistenciais serão contempladas positivamente”, diz Elias Júnior.

Segundo o presidente, em 2019 o CAMPS Santos atendeu aproximadamente 3.500 jovens e durante os 51 anos de existência, já ajudou mais de 115 mil jovens a conquistarem o primeiro emprego por meio da aprendizagem social e profissional.

“Tenho orgulho em dizer que todos os jovens que ingressam no CAMPS são encaminhados ao sonhado primeiro emprego, colecionando histórias inspiradoras de superação pessoal e profissional e de transformação”, conclui.

Já a Prefeitura de Cubatão, através da Secretaria Municipal de Emprego e Desenvolvimento Sustentável (Semed), afirmou que “o CAMP/Cubatão tem papel fundamental na cidade como porta de entrada para o primeiro emprego para pelo menos 400 adolescentes por ano com idade entre 15 e 17 anos”.

Ainda de acordo com a Prefeitura, “muitos desses jovens são absorvidos pela administração municipal e atuam em diversos setores da Administração Municipal por meio de um convênio com o CAMP”. A respeito do projeto, a Semed considerou prematuro comentá-lo, pois não conhece a fundo as propostas.

Mudança de vida

O CAMPS abriu as portas para muitos jovens como a Melanie Miranda, de 30 anos, e que fez parte da primeira turma do CAMPS Guarujá, em 2004. A oportunidade, além de marcar o início de sua carreira profissional, foi a forma na qual Melanie encontrou na época para ajudar a mãe nas despesas de casa.

“Quando iniciei o processo tinha 13 anos, fiz a prova na época tinham muitos inscritos para apenas 240 vagas. Passei e fiquei muito feliz pois ali vi a oportunidade de estudo, início da minha carreira profissional e ajudar minha mãe”, explica Melanie.

As oportunidades surgiram rapidamente para a desenvolvedora web.

“Minha turma foi a única formada aquele ano com 138 adolescentes. Começou em meados de Setembro de 2004 e em Dezembro eu já estava iniciando minha aprendizagem na Dow Brasil S/A, já com 14 anos”, conta.

Melanie explica que o processo de aprendizagem antes de entrar no mercado durou por volta de 6 meses e repleto de aprendizagens.

“Foi um processo muito importante desde a parte técnica como rotinas administrativas, marketing, rotinas bancárias a soft skills como postura, apresentação pessoal, comunicação não agressiva e isso levo até hoje nos meus dias atuando hoje como desenvolvedora web”, explica.

“O jovem formado por um Centro de Aprendizagem já é um jovem e um futuro adulto diferenciado no mercado de trabalho, as empresas sempre olham com bons olhos e levo comigo até hoje e tenho orgulho de ter sido aprendiz”, conta emocionada.

Já para a jovem Raquel de Souza Santos, de 17 anos, o CAMPS representa a realização de um sonho. A adolescente, que mora no Morro São bento, trabalha Há 12 meses na Universidade São Judas – Campus Unimonte e com o salário de aprendiz consegue ajudar a família.

“Desde que entrei no CAMPS posso ajudar nas despesas de casa, ajudar meu irmão a pagar as dívidas, e fico feliz em ter minha independência financeira, não depender mais dele para comprar minhas coisas”, afirma Raquel.

“Parte do que eu recebo, eu ajudo em casa, no pagamento das contas. Outra parte poupo para pagar minha faculdade e tirar carteira de motorista. Também estou pagando um celular que comprei”, explica a jovem.

O jovem Leonardo Xavier da Silva, de 17 anos, também é muito grato pela oportunidade de estar no CAMPS. Morador do Rádio Clube, trabalha na Prodesan há 10 meses e tem uma filha de 11 meses.

“O Camps está me ajudando muito para eu poder me expressar, não sentir medo do mercado de trabalho. Sou muito tímido e o CAMPS tem me ajudado a conhecer coisas novas. Antes de entrar no CAMPS, ajudava o meu pai como vendedor ambulante e fazia bico de monitor de games”, conta Leonardo.

Para Leonardo, o salário recebido ajuda nas despesas familiares.

“No momento, estou juntando dinheiro para pagar a festa de um ano da minha filha. Mas também ajudo nas despesas da bebê, comprando roupas e fraldas para ela, ajudo minha mãe e a minha filha nas compras de casa, com o vale alimentação”, explica.