Antes mesmo de conquistar a liderança desta semanda no “BBB 20”, Thelma Assis já vinha chamando atenção do público. Médica anestesiologista e passista de escola de samba, a participante, de 35 anos, vem ganhando cada vez mais torcida (como Anitta, IZA, Ludmilla e Gleici, vencedora do “BBB 18”) pela sua conduta na casa. Fora dela, a sister também tem muito do que se orgulhar. Se vai ganhar ou não o prêmio de R$ 1,5 milhão, é cedo para dizer, mas Thelma já é uma campeã na vida.
Adotada após três dias de nascida
Nascida e criada no bairro Limão, na periferia de São Paulo, ela foi rejeitada pela mãe biológica e adotada com apenas três dias de vida pela funcionária pública aposentada Yara Assis, hoje com 70 anos, e o gráfico Carlos Alberto de Assis, que haviam perdido um bebê. “Ela chegou a mim muito frágil e raquÃtica. Tanto que, se ela tivesse num berçário para adoção, ninguém ia querê-la”, lembra a mãe, afirmando que a famÃlia nunca teve contato com a mãe biológica da sister nem a conhece.
O assunto sobre a adoção foi falado pela primeira vez quando Thelma tinha 7 anos. “Ela desconfiou porque eu não tinha foto grávida. E eu expliquei que ela nasceu da parte mais importante de mim, do meu coração”, lembra, emocionada.
Anos depois, a confirmação da adoção veio por um telefonema anônimo, num momento de fragilidade da famÃlia, quando dona Yara tratava de diabetes. “Minha filha ficou mais forte ainda e me disse que eu sempre vou ser a mãe dela, que ela me ama e que nunca vai querer saber da origem dela”.
Luta para passar no vestibular de Medicina
O sonho de ser médica surgiu ainda criança, quando Thelma tratava de uma bronquite. “Ela disse para a doutora que queria ser igual a ela quando crescesse”, lembra dona Yara, que na época presenteou a filha com uma maletinha de médico. Apesar das dificuldades e da origem humilde, os pais de Thelma sempre lutaram para que nada faltasse à filha única. Ela estudou em escola particular até o final do Ensino Médio (conclui o resto em escola pública), fez balé e conseguiu uma bolsa de 50% num cursinho pré-vestibular.
Thelma estudou dia e noite durante três anos e ajudava os pais a pagar a mensalidade dando aulas de balé e distribuindo panfletos. “Teve um mês que, ou eles pagavam a luz, ou o cursinho. A luz foi cortada”, conta o marido, o fotógrafo Denis Cord.
Viagem com a mãe para Paris
O esforço e o desejo de dar a volta por cima valeram a pena. Após a terceira tentativa, ela conseguiu ser aprovada no vestibular com uma bolsa de 100% e passou a receber R$ 300 de auxÃlio do governo. Já na universidade, as dificuldades eram outras: ela não tinha condições de comprar os livros do curso (apenas fotocópias), nem os instrumentos para as aulas, e almoçava em restaurante popular a R$ 1. Mas nada a desmotivava a pegar o diploma.
Na formatura, lágrimas e agradecimento aos pais, a quem Thelma passou a retribuir toda o amor e dedicação. “Eu tinha, desde pequena, um sonho de ir para Paris. Ficava vendo nos filmes… Ela disse que, quando se formasse, me levaria. E há dois anos, nós fomos juntas”, conta a mãe.
Pai da sister morreu de câncer
Em agosto, em meio ao processo para entrar no “BBB”, Thelma perdeu o pai, após uma batalha contra um câncer no pulmão que perdurava havia nove anos. Com a morte de Seu Carlos, Thelma trouxe a mãe para morar num apartamento embaixo do dela, no bairro de Pirituba, na Zona Noroeste de São Paulo. É a sister quem paga as despesas como aluguel e plano de saúde de Dona Yara, e ainda destinava uma mesada para a mãe, com parte o salário que ganhava dos quatro hospitais em que dava plantão antes de entrar no programa. Thelma mora com o marido e um cão de estimação num outro imóvel, também simples e alugado.
Preconceito racial
Ela e marido se conheceram há 11 anos, num ponto de ônibus, quando Thelma retornava para a casa de um ensaio na Mocidade Alegre, escola em que ela é passista há mais de uma década.
“Ofereci uma bala e ela aceitou a bala de um estranho (risos). Foi amor à primeira bala”, lembra ele, que na época era mecânico. Os dois se casaram com um festão em 2016, com direito a drone, banda ao vivo, e vestido de noiva de princesa, do jeito que a sister sempre sonhou e mais um dos muitos que ela conseguiu realizar. “Estávamos planejando ter filho, mas aà veio o ‘BBB'”, diz Denis, que já perdeu as contas de quantas vezes viu a mulher sofrer preconceito racial.
“É racismo estrutural, velado. Desde ela ser enquadrada na 25 de Março (famoso comércio popular de São Paulo), ser confundida quatro vezes numa mesma loja como funcionária do local, e de colegas não a reconheceram como médica, só como auxiliar. Nos hospitais, quando ela entra na sala, com o jaleco, sempre perguntam se ela é técnica ou enfermeira, e nunca se ela é médica”, enumera Denis, que completa: “Mas ela não abaixa a cabeça e fica revoltada”.
Andar sempre de cabeça erguida, aliás, foi um dos grandes ensinamentos deixado pela mãe: “Se minha filha não ganhar o ‘Big Brother’, para mim, ela já é vencedora por tudo que já aconteceu na vida dela”.