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Brasil / Cotidiano

Academia: amor e ódio

Foco, força e fé. Superação, ultrapassar os limites. Filosofia ou estilo de vida.

Quando se pensa que as tags se referem à superação de um câncer ou outra doença avassaladora, conversão a alguma religião, novo emprego ou casa própria, o desânimo toma conta ao saber que se trata apenas e tão somente de mais um dia de treino e uma overdose de fotos na academia. O cheiro de suor quase é transmitido pela tela rachada de um smartphone cada vez mais preguiçoso.

Não há meio-termo, discernimento ou ponderação quando o assunto são exercícios, dieta e tudo o mais que envolve tal obsessão burguesa por um corpo moldado a camisas regatas e mensagens de autoajuda a doses industriais.

Quando halteres não são um objetivo de vida como um fim em si mesmo, a resistência surge em forma de x-burgueres, pizza, sofá, barzinho, cervejas e pneus na cintura.

Academia: ame-a ou odeie-a.

A partir do momento em que o médico nos exige que abandonemos o sedentarismo confortável, cruel e assassino, nossas orações são voltadas para que uma chuva, enchente ou catástrofe nos livre do sofrimento que é sair de casa até aquele local em que os espelhos e seus narcisos ficam medindo os braços ou se sentindo superiores quando outro aluno pega um peso menor que o seu.

Esses que precisam diminuir o tamanho da barriga ou do anel de gordura ao redor do fígado ou do coração admitem aos sussurros envergonhados quando perguntados se agora são “fitness†– mais uma daquelas expressões que o brasileiro médio mostra sua compulsão infantil e brega de achar que o inglês é mais chique do que nossa riquíssima língua.

Paralelamente, os marombas não perdem tempo em se autovangloriar com os braços gigantescos e o sentimento de superioridade perante os meros mortais apenas magros, com pouca forma física. Ou normais e sem obsessões.

O caminho entre a casa e a academia se alterna entre tão tenso como o do meio de campo até a marca do pênalti ou tão gratificante como é o primeiro dia no emprego dos sonhos.

Fato é que passou da hora de algum gênio da informática criar um aplicativo ou experimento que simule uma Matrix ou Avatar, na qual nos conectaríamos e apenas nossos corpos puxariam ferro ou correriam maratonas, enquanto nossa mente se dedicaria a outras coisas, como ao sono.

E não me venham falar das academias como um altar de milagres – para mim, se não for por saúde, tudo não passa de uma venda de ilusões como as das igrejas. Também não adianta me enganar com o papo de que vamos morrer um dia de qualquer jeito – dá para adiar o fim, eu acredito no Drauzio Varella.

A academia é como um daqueles dias dos quais olhamos à distância buscando um jeito de não ter que passar por ele, mesmo sabendo ser inevitável, como o alistamento no exército, as eleições, a declaração do imposto de renda e quaisquer exames invasivos. Sua hora vai chegar, melhor lidar bem com isso.

Porque se a serotonina e a endorfina são viciantes, o sofá onde cochilamos não fica para trás.