Ainda me lembro de ouvir a mãe gritando meu nome e um arrepio em forma de certeza de ter feito algo errado afligir minha alma. Parece que foi ontem. Perguntava à minha consciência onde havia pisado na bola para já pensar numa justificativa coerente que me livrasse de represálias maternas.
O memorial da infância também alterna momentos em que os pais me contavam como Leandro venceu João Pedro na escolha para meu futuro nome. O perdedor remetia a um antigo desejo da matriarca, que ficou para trás depois de outro João não ter vingado antes da gravidez que me trouxe a esse mundo injusto.
Passa-se um tempo e percebo o quanto meu sobrenome materno é mais raro do que o paterno – ainda que a cedilha tenha me atrapalhado desde sempre em cadastros, e-mails e na hora de explicar a atendentes e recepcionistas que não é com dois esses e u no final.
Naquela época doida em que esperamos urgentemente completar 18 anos para realizar todos os desejos sem pedir autorização a alguém, acreditei piamente que ser chamado pelo sobrenome seria sÃmbolo de maturidade de quem chegara à fase adulta de fato. Era como um emprego dos sonhos, uma meta de vida.
Eis que em algum dia em minha linha do tempo, sem que houvesse um Facebook para avisar a todos esse meu sonho louco e pueril, dividi ambiente de trabalho com algum outro Leandro e Marçal foi a forma de me diferenciarem, por ser mais novo no local. Fui perdendo meu nome escolhido a duras penas pelos meus pais de forma automática.
Como um telefone sem fio, meu apelido de famÃlia passou para o ouvido de todos e até os amigos de infância passam a me chamar pelo mesmo nome que minha mãe carrega. Virei então o Marça. Assim como o “você†e o “vc†sobraram do “vossa mercêâ€, uma letra foi eliminada e surgiu a nova contração.
Chego a novos ambientes e acho estranho quando sou chamado a partir de uma lÃngua tocando o céu da boca. É como se eu devesse algo, como se eu voltasse à infância em questão de segundos e minha mãe me chamasse da forma que elas costumam gritar para nos avisar que levaremos uma bronca daquelas.
“Você que é o Marçal?†deve ter sido a pergunta mais ouvida por mim desde algum momento perdido em minha história. E é como se já nem soubesse quem eu sou ou me chamo.
Minha certidão de nascimento já não me pertence, assim como meu nome. Se não escolhemos apelido e devemos aceitá-lo, ainda não compreendo os motivos que levaram meu sobrenome a derrotar as outras formas de me chamarem.
Mas não vou mentir: até que eu gosto.
O problema é quando em uma fração de segundos gaguejo e esqueço qual meu nome de batismo.